DUAS PALAVRAS
-Então o lugar é esse... –
disse Jonathan Brewster para si mesmo, ignorando por alguns segundos a presença
da senhora ao seu lado. – É esplêndido!Andou um pouco para frente, admirando o
horizonte em pleno fim de tarde. Constatou do grande portão de ferro que o
Campo Megara era realmente o lugar mais deslumbrante que havia encontrado em
toda Romênia.
Embora aquelas terras tivessem sido manipuladas pelo homem
moderno, que pavimentou as pequenas estradas e derrubou algumas das árvores
seculares para transformar tudo num grande parque natural, a magia de uma época
tão antiga quanto o tempo continuava intacta.
A Sra. Holland franziu suas velhas
sobrancelhas ao reparar aquele rapaz rosado, de cabelo negro no corte repicado
da moda, segurando um bloco de notas e uma caneta fuleira. Era um homem
elegante mesmo estando vestido numa camiseta surrada, calça jeans e num tênis
que já fora branco um dia. E também fazia o tipo daqueles que sabem muito bem o
que querem, mas que falam pouco. Ela queria entender seus propósitos, mas não
podia esperar que o rapaz tomasse a iniciativa.
-O senhor é escritor, não é
mesmo? – adiantou-se, tocando-lhe os ombros. – Veio buscar apenas
inspiração para um de seus livros, ou procurar algo mais objetivo... como a
história de uma jovem que morreu aqui no século II, por exemplo? Ouvi alguns
comentários de que buscava isso, Sr. Brewster.
-Vejo que a senhora anda
bem informada... – respondeu, ainda com o olhar fixo para dentro do Campo.
-Falando em informação, sabe que dia é
hoje, Sr. Brewster?
-Ah, sim... é a noite de
Walpurgis. Noite em que bruxas e demônios estarão concentrados por aqui. –
dizia de si para consigo, buscando na memória coisas que havia lido em suas
pesquisas. – Foi nesse dia que Jonathan Harper chegou ao castelo de Drácula,
segundo Bran Stocker. Goethe mencionou essa lenda em Fausto também. Fascinante!
– disse quase gritando de êxtase.
-Agradeço por ter me
trazido até aqui. – falou Jonathan pousando suas mãos nos ombros secos da Sra.
Holland. – Não vou encontrar dificuldades para voltar ao hotel, portanto não
precisa me esperar. Além do mais, quero ficar sozinho. A senhora sabe...
“coisas” de artista. – revelou fazendo aspas com os dedos e com um olhar de
“não posso perder mais tempo”.
-Tudo bem, tudo bem... –
respondeu a pequena velha, enquanto arrumava seus cabelos grisalhos. – Antes
que eu me vá, poderia me emprestar sua caneta e uma folha de seu bloco? Quero
pelo menos que tenha o telefone do hotel, caso se perca. Sabe, “coisas” de uma
velha mais esperta que você.
Contrariado pelo excesso de cuidados da
senhora, ele fez o que ela pediu. Deu mais uma olhadela ao redor admirando
tudo, e finalmente sentiu a caneta e a folha serem postas em sua mão novamente.
-Pense bem antes de se
meter com aquilo que não conhece. – disse a velha, num tom totalmente diferente
do que já lhe havia dirigido.
-Há há há! Acredita mesmo
que há uma maldição nessa história, Sra. Holland? Que a tal menina virou um
fantasminha camarada? – dizia enquanto afastava-se da velha, enfiando o papel no
bolso e seguindo o caminho do Campo.
-Não acredito em fantasmas. – respondeu
observando o céu, com as mãos sobrepostas juntas ao peito.
-Acredita no quê então?
-Acredito que a memória
dessa infeliz deve ser respeitada. Siga o meu conselho enquanto há tempo de
voltar, Sr. Brewster. Esqueça isso!
Jonathan divertia-se do medo que a Sra. Holland partilhava
com alguns dos moradores locais. Era impressionante que em pleno século XXI
tais crenças permanecessem vivas. Incluir esse pavor em seu próximo livro seria
interessante para dar o clima melancólico que precisava. Sim, seria realmente
interessante.
Preso em seus pensamentos e envolvendo-se naquela atmosfera sombria, Jonathan
caminhou durante muitos minutos. Desejou sentir a grama em seus pés. Retirou
seu par de tênis e continuou a caminhar, agora olhando o sol se deitar por
entre as árvores do Campo. Estava fascinado pela beleza do lugar.
Todo o livro
estava sendo escrito em sua cabeça naquele momento, e sua consciência estava em
outro plano por causa disso. Era importante pisar no mesmo solo que a suposta
jovem do século II pisou um dia. Tinha transportar essas sensações aos seus
leitores de forma verossímil.
Assim, Jonathan peregrinou por muito tempo
e só voltou a si quando a luz do dia já estava bem fraca.
Parou de andar e
olhou para trás na esperança de ver o portão de entrada do Campo Megara. Deu um
salto ao perceber que já estava muito longe da estrada principal.
Com o coração
um pouco acelerado, apressou- se em por seus tênis nos pés. Levantou de novo e pôs-se a caminhar com rapidez pela direção de
onde tinha vindo. Mas por onde ele tinha vindo? Estava muito concentrado e
deslumbrado para ter notado as coisas ao seu redor.
Jonathan não
queria acreditar, mas estava perdido.
Começou a transpirar por nervosismo. A
luz do dia ficava cada vez mais escassa e a beleza do lugar começava a se
dissipar. Viu pássaros negros voando desordenadamente pelo céu avermelhado,
emitindo sons que mais pareciam um lamento. O campo ficava cada vez mais
assustador e até mesmo as árvores pareciam fazer isso propositalmente.
Ele imediatamente tirou seu celular do
bolso juntamente com o papel que a Sra. Holland havia lhe dado. Abriu o flip do
telefone e constatou que não havia cobertura naquele lugar. Transpirando ainda
mais, abriu o papel que a velha havia lhe dado. Mas ao invés de números,
encontrou a mensagem:
“Aconteça o que acontecer, não olhe para
trás!”, em letras de fôrma tremidas.
-Mas que diabos essa velha
maluca fez? – falou enquanto virava o papel, incrédulo por não haver números
ali.
Foi nesse instante que ele começou a
sentir brisas geladas e diferentes, que pareciam ser provocadas por algum
animal de grande porte, vindo das sombras das árvores atrás de si.
Ficou parado
por alguns instantes na esperança de que o tal animal seguisse adiante, sem
notar sua presença. Mas ao invés disso, ouviu o som de pés tocarem o chão.
As
brisas cessaram instantaneamente, e somente passos humanos em sua direção eram
divisados agora. Os olhos de Jonathan arregalaram-se, e o calor de seu sangue havia sido
roubado pelo medo do desconhecido que enfrentava agora.
“Aconteça o que acontecer, não olhe para
trás!”, era o que a Sra. Holland tinha escrito no papel. O quê mais ela queria
dizer com isso? De qualquer forma, ela não disse que não se podia correr. E
assim ele fez.
Começou a correr desesperadamente para a direção de onde tinha
vindo. Correu o máximo que pôde e quando já estava ficando sem fôlego, finalmente
divisou a pequena estrada principal com uma ponta de alívio.
Um denso nevoeiro
foi se formando aos poucos por entre as árvores. Em questão de segundos
Jonathan já não podia mais enxergar a estrada principal, mas continuava a
correr na direção em que estava, pois não tinha como errar.
Um de seus pés
afundou num buraco, fazendo com que perdesse o equilíbrio e tombasse para
frente. Rapidamente de joelhos, ele se preparou para voltar a correr. Mas assustou-se ao notar com seu olhar periférico pés
muito brancos, femininos, descalços e suspensos no ar bem atrás de si. Mãos
geladas pousaram em seus ombros, tomando-lhe o domínio de seu próprio corpo.
Seu
coração pulsava desesperadamente, quase o impedindo de respirar. As mesmas mãos
rasgaram sua velha camiseta com facilidade, arranhando suas costas de uma
maneira dolorosa.
Sentiu algo quente escorrer por seus músculos, e imaginou que
provavelmente estava sangrando. Estava ficando tonto e sabia que iria
desfalecer a qualquer momento.
Teve a sensação de que a língua daquela entidade
deslizava pela ferida de suas costas, e de alguma forma isso fazia com que não
sentisse mais dor, dando-lhe até um certo prazer medonho.
Jonathan
perdeu seus sentidos logo em seguida, afundando-se no mundo escuro do sono.
Seus olhos se abriram com os tapinhas que
Sra. Holland lhe dava no rosto, reclamando consigo mesma por não ter sido mais
enérgica.
Notou que já estava amanhecendo, e que continuava no Campo Megara,
exatamente onde havia desmaiado na noite passada.
-Teve sorte, Sr. Brewster.
Teve muita sorte. – disse a velha, enquanto encorajava o jovem escritor a ficar
sentado. – Pelo menos me deu ouvidos, embora quase tardiamente.
-Como assim?
-Leu o que eu havia escrito
no papel. Se não tivesse lido, não estaria mais vivo. – enfiou sua mão no bolso
da calça do rapaz e retirou a caneta fuleira, erguendo-a na direção dos olhos dele. –
Ontem, quando pedi sua caneta emprestada, troquei-a pela minha sem que você percebesse.
Essa caneta foi me dada por um amigo cigano, que disse que ela me protegeria
daqueles que vivem do sangue alheio. Não é uma caneta comum, Sr. Brewster. Ao
invés de tinta, possui propriedades que enfeitiçam o sangue, tornando-o uma espécie de repelente para essas
entidades malditas.
Mas o feitiço não funciona se o portador olhar nos olhos da
entidade que pretende atacá-lo
-Como sabia que eu estaria aqui? –
perguntou, levantando-se com a ajuda da velha.
-Não sabia. Segui minha
intuição. – respondeu, olhando admirada para as costas de Jonathan. – Muitas
coisas estranhas aconteceram, Sr. Brewster. Muitas coisas. Agora acredita que a
memória da infeliz que morreu aqui deve ser respeitada? Percebe que não pode
basear seu novo livro na história dela?
-Sim, Sra. Holland.
Acredito, embora eu não compreenda metade das coisas que me explicou. – disse
enquanto removia partículas de lama de sua calça, franzindo a cara de dor pelo
arranhão em suas costas.
-De qualquer forma, Sr.
Brewster, acho que alguém queria lhe dar um recado apenas. Um recado que está
impresso em suas costas e que você irá carregar para sempre. – revelou com
perspicácia.
-É mesmo? E o que diz? –
perguntou, inclinando-se na esperança de poder ler.
-São duas palavras. Duas
palavras marcadas com algo bem afiado. “Esqueça Isso”, é o que está escrito,
Sr. Brewster.
Eu conheço bem essa história.
ResponderExcluirjá virou quadrinho?!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
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